26 de maio 2014
O tema “cultura e natureza como patrimônios imaterias” encerra o 1º módulo de Formação em PNGATI para o Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
No último dia de curso (16/05), o pesquisador Alexandre Gomes, conduziu o tema “cultura e natureza como patrimônios imateriais”. O objetivo da aula foi debater por meio de experiências de gestão museológica e dos ecomuseus, a autogestão cultural e territorial indígena. Visou ainda discutir como os processos de plano de gestão ambiental e territorial em âmbito de PNGATI (Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas) podem incorporar o patrimônio imaterial. De acordo com a Convenção da UNESCO para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (2003), entende-se por patrimônio cultural imaterial as práticas, representações, expressões, conhecimentos e saber-fazeres – assim como os instrumentos, artefatos e espaços culturais que lhes estão associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como fazendo parte do seu patrimônio cultural (saiba mais aqui).
Noções de natureza/cultura e identificação de experiências locais em memória e patrimônio
Para iniciar a discussão, Gomes instigou os cursistas a refletirem se é possível separar a natureza da cultura, o material do imaterial, o território do patrimônio e o território da memória, e como todas essas questões se relacionam entre si a partir da noção de territorialidade para os povos indígenas. “Será que a natureza tem sentido fora da cultura? Como preservar algo que é ao mesmo tempo material e imaterial? Assim como essas questões não se separam, existem formas de preservação que também não separam o que é um conhecimento do que é um território”, disse.
Por meio de perguntas orientadoras, os cursistas apontaram diversas expressões das suas culturas que continuam sendo usadas ou praticadas, manifestando que o patrimônio imaterial está totalmente ligado à memória, às práticas e aos saberes presentes no território. Vasco Pankararu, por exemplo, apontou os terreiros de Toré, o umbuzeiro e a jurema como plantas sagradas para seu povo. José Conceição Pataxó falou das práticas que seu povo tem de ir à praia nas noites de lua cheia para comer ouriço. Célia Xacriabá citou o saber-fazer de remédios tradicionais. Francisco (Dinamã) Tuxá falou de diversos elementos, dentre eles a fumaça do cachimbo tradicional, que tem um significado de proteção.
Políticas indigenistas e culturais para memória e patrimônio
O pesquisador também abordou a legislação que ampara o patrimônio cultural material e imaterial no Brasil. Disse que antes da Constituição de 1988, a legislação não se aplicava à proteção dos conhecimentos e práticas dos povos indígenas como bens de relevância nacional. Havia diversos tipos de tombamentos ligados a bens materiais referentes a fatos memoráveis coloniais. Os monumentos, fortes, casarios coloniais etc., são exemplos dessas ações. O tombamento não se aplica a bens imateriais como as referências indígenas, pois as próprias comunidades indígenas têm suas formas próprias de preservação, por meio da transmissão de conhecimentos via oralidade, festas, rituais, rezas, práticas etc. “A partir de 1988 (Art. 215 e 231), há uma redefinição do que é patrimônio e o que antes valorizava a memória de origem europeia, agora passa a valorizar a diversidade cultural dos povos indígenas do Brasil”, relatou Gomes.
Outro marco importante foi a assinatura do Decreto 3551/2000 que institui o registro dos bens culturais de natureza imaterial do patrimônio cultural brasileiro, por meio do Programa Nacional de Patrimônio Imaterial (saiba mais). O “Registro” passa ser um instrumento legal de valorização e reconhecimento desses bens. Este acontece nos Livros do Registro, que estão classificados em: Saberes (conhecimentos e modos de fazer), Celebrações (rituais, festas), Formas de Expressão (manifestações literárias, musicais, cênicas, etc) e Lugares (mercados, feiras, santuários e outros espaços que concentram e reproduzem práticas culturais coletivas). Alguns registros indígenas já realizados são: a Cachoeira de Iauaretê, lugar sagrado para os povos dos rios Uaupés e Papuri (AM), registrada no Livro dos Lugares em 2006; a Arte Kusiwa, pintura corporal e arte gráfica Wajãpi (AP), registrada em 2002 no livro de Formas de Expressão; e os saberes e práticas associados aos modos de fazer bonecas Karajás (GO), registrada no Livro dos Saberes em 2012.
As experiências dos museus indígenas
A partir das questões de como a memória pode estar fundamentada num território, Gomes propôs que a musealização dos territórios indígenas pode ser uma alternativa de potenciais espaços de gestão do patrimônio e, consequentemente, do território e meio ambiente. Não se trata de inserir o mesmo formato dos ditos museus tradicionais e sim trabalhar com a ideia de que os novos museus envolvem a cultura, os conhecimentos e os territórios de forma viva e preservada. Esses são os chamados “ecomuseus”, “museus de territórios”, “museus comunitários” e “museus indígenas”. Algumas iniciativas já estão em curso no Brasil, tais como: Museu Magüta, dos povos Tikuna (AM); Casa de Memória Tronco Velho dos povos Pankararu (PE); Museu Indígena dos Kanindé (CE); dentre outros.
Foi exibido ainda o vídeo Taboqueiros, que narra como os Tapeba (CE) fazem o uso da palha da carnaúba (assista AQUI).
Outras matérias
-No segundo dia de formação, cursistas conhecem o caroá e conversam com os anciãos Pankararu (15/05/2014);
- Rio São Francisco é homenageado na abertura do 1o Módulo do Curso Básico de Formação em PNGATI para o Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (14/05/2014);