22 de maio 2014

No 4º dia de Formação em PNGATI, cursistas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo, discutem visões ocidentais sobre natureza e cultura, e conhecimentos indígenas

Com o tema “Algumas visões ocidentais sobre a relação cultura, natureza e meio ambiente: dos mitos modernos da natureza inesgotável e da natureza intocada, aos pontos de vista dialético e interativo”, o antropólogo e consultor pedagógico do Projeto GATI, Henyo Barretto, iniciou o quarto dia de curso (15/05) debatendo as noções dominantes sobre a relação entre natureza e cultura na sociedades não indígenas, por meio da exibição do vídeo Hamster Impossível (assista AQUI) e de um jogral com três trechos de dois textos de Friedrich Engels e Richard Lewontin.

Ao debaterem o vídeo e uma citação do ambientalista gaúcho José Lutzemberger, que critica a noção de área protegida, os cursistas reconheceram que as concepções modernas dominantes sobre a relação entre natureza e cultura estão baseadas em uma separação fundamental entre esses dois domínios. Enfatizou-se a importância de comparar essas concepções com o que seria tratado na parte da tarde pelo colaborador indígena, que enfocaria a agricultura tradicional não apenas como tecnologia e prática econômica, mas como modo de vida ligado ao mundo dos encantados.

O antropólogo Henyo Barreto durante sua aula. Foto Andreza Andrade/Projeto GATI

Aos grupos que trabalharam em cima dos textos geradores, se pediu que, antes de os discutirem, formulassem o seu entendimento sobre “meio ambiente”. A partir dessas formulações e do retorno que os grupos deram às perguntas orientadoras, foi possível desenvolver uma crítica à noção de adaptação e à compreensão do meio ambiente como um mundo exterior inerte, pré-existente e independente dos organismos vivos. Os cursistas puderam identificar que os textos apresentavam uma visão mais interativa e histórica da relação entre os seres vivos e os seus meios ambientes (no plural), os ambientes que eles constroem por meio de seus ciclos e processos vitais – característica das tradições da biologia dialética e da ecologia histórica. Reconheceu-se, assim, que algumas tradições das ciências e das filosofias não indígenas tangenciam os modos indígenas de viver e constituir seus mundos, e que há tantos ambientes e paisagens distintas, quanto há modos de viver e produzir diversos – a ponto de se poder falar em “florestas culturais”.

A agricultura tradicional indígena como instrumento de gestão territorial e ambiental

Para tratar da “Relação entre conservação, manutenção cultural das plantas, produção sustentável e cuidado com o meio ambiente na gestão territorial e ambiental indígena”, foi convidado o agrônomo e técnico do IPA (Instituto de Pernambuco Agronômico) Iran Neves Ordonio, do povo Xucuru, que também é cursista. A aula teve como base a iniciativa Limolaigo Toipe (Terra dos Ancestrais): experiências em agricultura indígena no Povo Xukuru do Ororubá, Pesqueira/PE, que visa promover a agricultura tradicional, a vivência de experiências que, fundamentadas por princípios e valores Xukuru, fortaleça a organização sociopolítica e apoie os processos de consolidação do projeto de vida Xukuru. A iniciativa começou em 2009 e é implementada pelo coletivo Jupago Kreka, formado por agricultores, técnicos agrícolas, agrônomos e lideranças Xucuru. Ela incentiva os cultivos tradicionais, uso de sementes nativas e métodos alternativos de agricultura como a orgânica, a agrofloresta, a permacultura etc. De acordo com Ordonio, a ação vem beneficiando diretamente cerca de 100 famílias do seu povo e indiretamente 2.300.

Iran Ordonio, falando sobre a iniciativa de agricultura dos Xucuru. Foto ©Andreza Andrade/Projeto GATI

O porquê da iniciativa

“Os antigos diziam que tínhamos bastante riqueza nas matas e as condições climáticas eram favoráveis à produção dos nossos alimentos. E quando invasores chegaram, inseriram o monocultivo e criação de gado. Foi desse jeito que os indígenas se tornaram vaqueiros”, relatou Ordonio. Esse histórico de devastação e usurpação das terras tradicionais e os movimentos de resistência iniciados especialmente pelo cacique Xicão Xucuru*, fizeram com que o povo reorganizasse o seu projeto de vida baseado na ancestralidade, sendo a agricultura o marco inicial desse processo. “A essência do ser Xucuru é agrícola. Muitos a veem meramente como fonte econômica e não como prática e modo de vida. Mas ela é um elemento de defesa do sagrado e da nossa identidade como indígenas”, disse. Ao longo de quatro anos, a ação conta com diversas conquistas como: estabelecimento de feiras orgânicas itinerantes; criação de grupos de mobilização; encontros de agricultores de trocas de sementes; hortas escolares; doação de cestas com alimentos da produção Xucuru; refeições coletivas; entre outras.

Semelhanças de práticas agrícolas entre os povos

A partir da aula de Iran Xucuru, os cursistas se dividiram em grupos para discutir quais as práticas e saberes indígenas relativos à agricultura que ainda são utilizadas nas suas comunidades. Algumas questões em comum foram: o uso da queima controlada para limpeza da área do plantio; a influência das condições climáticas de chuva e seca; a roça de toco; a troca de sementes entre famílias; a influência das fases da lua para diversas práticas; a coivara. Eles também informaram que devido ao massacre físico e cultural dos povos indígenas, muitas dessas práticas se perderam ou adormeceram – entretanto, hoje muitas delas estão sendo revitalizadas.

SAIBA MAIS

*Xicão Xucuru: Francisco de Assis Araújo, conhecido como Xicão Xucuru, foi um grande líder do povo Xucuru e do movimento indígena brasileiro. Tornou-se cacique geral do povo Xucuru em 1989 e liderou a luta pela terra e reconhecimento dos direitos indígenas do seu povo. Em 1998, na cidade de Pesqueira, foi brutalmente assassinado, sendo que os culpados até hoje não foram encontrados.

Outras matérias

Territorialidade e licenciamento ambiental são temas no terceiro dia de formação em PNGATI para o Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (20/05/2014);

-No segundo dia de formação, cursistas conhecem o caroá e conversam com os anciãos Pankararu (15/05/2014);

Rio São Francisco é homenageado na abertura do 1o Módulo do Curso Básico de Formação em PNGATI para o Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (14/05/2014);

- Indígenas e servidores públicos do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo, participam do primeiro módulo do Curso Básico de Formação em PNGATI (09/05/2014).