20 de maio 2014

Territorialidade e licenciamento ambiental são temas no terceiro dia de formação em PNGATI para o Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo

No terceiro dia de curso (14/05), foi discutida “a relação entre os povos indígenas e o Estado e a sociedade nacional a partir de um ponto de vista histórico e antropológico”.

O professor convidado foi o antropólogo da Universidade Federal da Paraíba, Estevão Palitot, que discorreu sobre o tema enfatizando o processo de formação e consolidação dos territórios indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo. De acordo com o professor, as origens desses atuais territórios se deram não por conta da ocupação e uso tradicional, e sim a partir das mediações da dominação colonial de Portugal sobre o Brasil, que criou vilas de índios, missões, fazendas, quarteis e etc. Essa situação impôs uma série de limitações ao modo de vida dos povos indígenas que tiveram de sobreviver nas frestas dessa relação colonial e resistir na afirmação das suas territorialidades e identidade. “Em qualquer discussão sobre gestão ambiental e territorial nessa região, é importante debater a criação desses territórios como instrumentos de poder, e ainda, como os índios desenvolveram formas ao longo de séculos, para tornar essas áreas efetivamente territórios indígenas”, explicou o professor. Os cursistas indígenas demonstraram indignação em atestar que a fragmentação e às vezes a completa extinção dos seus territórios vêm acontecendo desde o Brasil-colônia.

Estevão Palitot iniciando sua aula. Foto: ©Andreza Andrade/Projeto GATI

A aula também abordou o uso de mapas como instrumentos de poder por parte do Estado brasileiro para acessar recursos nas áreas que índios ocupavam e/ou ocupam tradicionalmente. “Quem desenha o mapa e o território, imprime nesse desenho a sua percepção e os seus interesses. Portanto, enquanto os mapas indígenas representam áreas sagradas ou econômicas de produção familiar, os mapas coloniais representam riquezas e os meios de atingi-las para assim explorá-las”, disse. Essas questões configuram o que o antropólogo chamou de processo de reorganização social por meio de projetos de territorialização, que demonstram qual é a intenção ao construir esses territórios. O antropólogo propõe a divisão desses projetos em três categorias: os “coloniais” consideravam a sociedade indígena como não civilizada e eram voltados exclusivamente para a exploração de riquezas e transferi-las para outro lugar. Eram voltados para a formação de aldeamentos, vilas, quarteis, missões, minas, guerra etc; os “nacionais” tinham o propósito de integrar os índios à sociedade por meio da criação dos postos do SPI (Serviço de Proteção ao Índio), da Funai, dos grandes empreendimentos, da miscigenação, da regularização fundiária e etc; os “indígenas” , baseados na percepção dos povos indígenas e sua relação com o território, com o bem viver e o sagrado - terras indígenas, roçados, festas, lutas pelas terras, etnomapeamentos etc.

Ainda como parte da aula, os cursistas indígenas, com a participação dos não indígenas, desenharam mapas mentais dos seus territórios e inseriram marcos históricos, políticos e culturais presentes nas suas áreas.

Cursistas desenhando mapas mentais dos seus territórios. Foto: ©Andreza Andrade/Projeto GATI
Célia Xacriabá e Renato Fialho (ICMBio) apresentando o mapa da área Xacriabá (MG). Foto: ©Andreza Andrade/Projeto GATI

Entendendo o componente indígena em processos de licenciamento ambiental

Com o tema “O ‘desenvolvimento’: as grandes obras que afetam os povos e terras indígenas no NE, MG e ES e os procedimentos de licenciamento destes”, a assessora técnica da Coordenação Geral de Licenciamento Ambiental (CGLIC) da Fundação Nacional do Índio (Funai), Bianca Lima, conduziu a aula, explicando como funciona o componente indígena nos processos de licenciamento ambiental. O tema foi muito pertinente devido ao longo histórico de impactos ambientais e sociais que os grandes empreendimentos vêm causando na vida dos povos indígenas do Nordeste, Minas e Espírito Santo.

A mesma falou dos instrumentos contidos na Política Nacional de Meio Ambiente e outras legislações que regem os processos de licenciamento; da elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o componente indígena. O órgão responsável pelo licenciamento ambiental é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama), ou as secretarias de meio ambiente dos estados ou dos municípios. De acordo com a assessora, o componente indígena é parte integrante desses processos, quando determinada atividade ou empreendimento localizar-se em terra indígena, ou apresentar elementos que possam gerar dano socioambiental direto nessas áreas. "É a Funai quem conduz essa questão junto aos órgãos licenciadores. Seu papel é dar diretrizes e analisar os estudos referentes aos impactos sobre povos e terras indígenas, garantindo a participação das comunidades indígenas no procedimento de licenciamento e manifestando-se formalmente perante o órgão ambiental quanto à anuência (ou não) para emissão das licenças", informou. (Saiba mais: Cartilha Licenciamento Ambiental e Comunidades Indígenas)

Os processos citados que impactam as áreas indígenas são de aproveitamento hidrelétrico, rodovias (pavimentação e duplicação), gasodutos, parques eólicos, linhas de transmissão e distribuição, dentre outros. Os indígenas citaram alguns exemplos concretos de empreendimentos que estão lhes afetando, como no caso dos Pankararu, que têm o linhão da Usina Luiz Gonzaga passando nas suas terras.

Também foi exibido o vídeo “9º Balanço do PAC 2” (assista o vídeo AQUI) , que faz um balanço das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na Fase 2 e traz grandes empreendimentos que afetam as terras e povos indígenas no Brasil. Os cursistas fizeram vários comentários sobre o tipo de desenvolvimento empregado no país, que reproduz o modelo dos países de primeiro mundo e com isso sacrificam todos seus recursos naturais, prejudicando povos e comunidades tradicionais. “O Brasil segue o mesmo ritmo de crescimento das outras nações, dos grandes empreendimentos, o que me deixa sem entender é como a sociedade brasileira aceita algo dessa natureza, como se isso fosse a única alternativa para uma qualidade de vida? Praticamente 99% da sociedade brasileira é analfabeta do ponto de vista ecológico”, comentou Iran Ordonio Xucuru. “Esse desenvolvimento que o PAC busca, vai para quem? Porque não é o que nós queremos”, disse Liedna Pankararu.


Fontes extras sobre licenciamento ambiental e o componente indígena

http://www.funai.gov.br/index.php/nossas-acoes/licenciamento-ambiental