21 de agosto 2014
“Propriedade e direitos coletivos”, “religiosidade e saúde entre povos indígenas” são debatidos no segundo dia de curso
No segundo dia de curso, 19/08, a antropóloga Marina Guimarães (Pineb/UFBA e ANAÍ) os Maxakali: João Bidé, Margarida e Marilton, conduziram o tema falando das questões de propriedade intelectual e conhecimentos tradicionais coletivos numa perspectiva dos povos indígenas e dos não indígenas. De acordo com a exposição, os conhecimentos tradicionais indígenas são tratados pelos instrumentos legais não-índios como coletivos, entretanto, nas sociedades tradicionais existem outros regimes de conhecimentos que são específicos, por exemplo, de uma família, de uma pessoa, ou um clã. Esse fato deveria ser levado em consideração na formulação de ações ou políticas públicas em áreas indígenas, pois existem especificidades e diferenças entre os povos e dentro das suas sociedades.
Para instigar a reflexão, os cursistas se reuniram em grupos e trouxeram relatos de experiências onde as noções indígenas e dos não-índios de propriedade se chocaram ou convergiram, e como as dificuldades foram contornadas (ou não). Um dos exemplos positivos citados foram as ações de reflorestamento e recuperação ambiental empreendidas pelos Potiguara com apoio do Projeto GATI (Gestão Ambiental e Territorial Indígena – GEF/Pnud/GATI) e que dialoga diretamente com o Eixo 4 da PNGATI, sobre prevenção e recuperação de danos ambientais. Os Potiguara informaram que os objetivos do GATI (de recuperação de áreas degradadas usadas como piloto em terras indígenas que necessitam de gestão específica de paisagem para contribuir com a conservação da biodiversidade) convergiram com o que foi apontado pelo etnomapeamento realizado em 2010 (veja aqui). “O nosso etnomapeamento já apontava quais áreas necessitavam dessas ações”, informou o cacique Nathan Galdino Potiguara.
As experiências não exitosas citadas, tinham no seu princípio a não valorização da diversidade indígena, e muitas delas não atendiam a real necessidade do povo em que foram inseridas. “Muitas áreas indígenas são conhecidas como “cemitério de projetos”, porque nelas são replantadas iniciativas que não sabem o modo indígena de apropriação desses recursos”, disse o antropólogo José Augusto Laranjeira, da ANAÍ.
Religiosidade e saúde em relação às culturas e ao meio ambiente
Para introduzir o tema seguinte, foi exibido o filme “Guairakaí - O dono da lontra” do cineasta indígena Alexandre Werá, que mostra um episódio singular e revela a riqueza universal espiritual dos Guarani e sua relação com os seres da mata. O cursista Antônio (Toninho) Carvalho do povo Guarani, fez a tradução simultânea e comentou o vídeo, explicando todos os passos de como a comunidade indígena lida quando uma lontra, acidentalmente, é morta por uma das armadilhas de caça. Segundo Toninho, todos os seres da natureza têm seus donos que vivem num plano espiritual muito parecido com o da Terra. “Para acessar os recursos naturais, precisamos pedir permissão para seus donos. No caso da lontra, se todos os rituais não fossem cumpridos, toda a aldeia poderia sofrer as consequências, que poderia ser via doença ou uma fatalidade”, disse.
Henyo Barretto, coordenador pedagógico do curso, explicou que para os povos indígenas uma fatalidade, como uma doença, é sempre decorrência de uma desordem cósmica. O contrato de convivência com os seres da natureza deve ser respeitado e quando este se quebra é quando acontece as consequências. Barretto trouxe os estudos do antropólogo E. E. Evans Pritchard em Bruxaria, Oráculo e Magia entre os Azande que explicam que essas fatalidades são resultado de fenômeno que ocorre com base em diferentes níveis de causalidades, que seriam a causa eficaz (o que causa a doença?), a causa instrumental (como se pegou a doença?), causa última (porquê você ficou doente?). O que se conclui portanto, é que tanto a saúde, quanto o meio ambiente e religião, estão muito entrelaçados nas sociedades indígenas. “Viver bem, com saúde, é viver gerindo e cuidando dessas relações e desses vínculos”, afirmou.
Filme Baía da Traição
O dia foi encerrado com a exibição do filme “Baía da Traição”, filmado originalmente em Super 8 por Tiuré Potiguara, que mostra o processo de autodemarcação realizado na TI Potiguara, entre os anos de 1981 e 1983. O filme foi exibido como introdução para o dia seguinte do curso, a visita de campo.
Saiba mais
Começa o 2º módulo do Curso em PNGATI para Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (19/08/2014)