26 de agosto 2014

Nos dois últimos dias de curso, debates sobre órgãos indigenistas e ambientalista no Brasil, histórico do movimento indígena do Nordeste e questões de sobreposições

[2º Módulo do Curso Básico de Formação em PNGATI para o Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo]

Nos dois últimos dias, 21 e 22/08, do Curso Básico de Formação em PNGATI para o Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo, cursistas debatem sobre o histórico e papeis dos órgãos indigenistas e ambientais no Brasil; histórico e perspectivas do movimento indígena no Brasil e no Nordeste; impactos de atividades econômicas nas TIs (Terras Indígenas) e sobreposições de TIs e UCs (Unidades de Conservação).

Para falar dos papeis dos órgãos ambientais no Brasil, a convidada foi servidora do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Iara Vasco, que trouxe um histórico da diplomacia ambiental global, que culminou nas grandes conferências internacionais, criação das agências e convenções (Estocolmo 72, Pnuma/ONU, Rio 92, Agenda 21, Convenção Diversidade Biológica e etc). E ainda o histórico do governo brasileiro em oficializar a agenda ambiental como política de Estado (Sema/1973, MMA/1992, Art. 225 da Constituição Federal, a Política Nacional do Meio Ambiente e o Sisnama-Sistema que Nacional de Meio Ambiente e órgãos competentes que o compõe: Conama, MMA, Ibama, ICMBio, órgãos estaduais e municipais de meio ambiente). “É um direito dos povos indígenas que as questões relacionadas ao meio ambiente sejam tratadas adequadamente, pois o componente ambiental da PNGATI passa  por todas essas instâncias, afirmou. “A Constituição Federal diz que a proteção do meio ambiente cabe não somente União, mas também à coletividade, daí vem a reflexão do nosso papel de cidadão, dentro das coletividades que pertencemos, para avaliar em que medida estamos colaborando ou impulsionando o funcionamento da política”, reforçou.

Conhecendo o histórico dos órgãos oficiais indigenistas no Brasil

O professor Estevão Palitot, da Universidade Federal da Paraíba, narrou por meio de uma apresentação interativa, a construção da política indigenista do governo brasileiro desde a criação do SPI (Serviço de Proteção aos Índios) de 1910 à 1967, a criação da Funai (Fundação Nacional do Índio) em 1967, até o reconhecimento dos direitos indígenas na Constituição Federal de 1988. De acordo com Palitot, a política indigenista do Brasil republicano foi um processo de construção da nação, que hoje, de alguma forma ainda se faz na relação do Estado com os povos indígenas. “No período colonial, o objetivo era tornar os índios súditos do rei. Na república era nacionalizar e integrar, por meio de expedições do governo, onde o Estado era representado pelos seus funcionários”, contou.

Além de dar um panorama geral da situação dos povos indígenas no Brasil, o professor destacou o contexto do Nordeste. Portanto, desde àquela época existe uma negação do Estado brasileiro em relação ao reconhecimento da identidade indígena e dos territórios desses povos. O governo os categorizava como “braços aclimatados”, ou seja, apenas mão de obra de pessoas já adaptadas ao clima, para trabalhar na agricultura e pecuária, construção civil e outras atividades.

Com o fim SPI e com a criação da Funai em 1967, em plena ditadura militar, a política indigenista toma um outro rumo. A Funai era caracterizada por uma instituição militarizada, também com objetivos assimilacionista das populações indígenas. O órgão fazia parte do instrumento de política de segurança, de integração e desenvolvimento do Brasil. Em 1973 foi criado o Estatuto do Índio (Lei6001/1973), que vigora até hoje. “A tutela era o instrumento utilizado pelo Estado, pois tinha o discurso forte e potente que ainda está presente na política indigenista brasileira”, narrou o professor.

A partir da década de 1970, há o surgimento das primeiras organizações indígenas e ongs indigenistas. Em 1987 inicia-se uma mobilização nacional para inserção dos direitos indígenas no movimento da nova Constituição que consolida em 1988 os direitos originários dos povos indígenas. “Pensando nesse país que está sendo construído, precisamos estar juntos e incluírmos os índios. Mas não é mais pensar este país de forma autoritária ou militarizada e sim de forma democrática garantindo espaços e penetração dessas diversas vozes indígenas em todos os espaços possíveis, seja na academia, nos órgãos de governo, em toda sociedade”, concluiu o professor.

Histórico e perspectivas do movimento indígena do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo

Da direita para esquerda, Caboquinho Potiguara, Zé de Santa Xukuru, José Augusto (Guga) e Kelly Oliveira. Foto: ©Andreza Andrade/Projeto GATI

Neste tema participaram as lideranças indígenas e estudiosos: Zé de Santa Xukuru, Caboquinho Potiguara, Ceiça Pitaguari, José Augusto Laranjeira (Guga) e Kelly Oliveira (UFPB). As primeiras mobilizações indígenas no Nordeste iniciaram na década de 1980 com os movimentos de retomada e reivindicações pela demarcação. Foi de lá que também surgiram os primeiros líderes, que segundo o cursista Marcos Sabaru, são considerados heróis. “Nunca vamos esquecer os nossos heróis, foram eles que nos resgataram de sermos vaqueiros ou cortadores de cana, eles nos deram um caminho na busca do nosso território”, afirmou.

De acordo com Caboquinho Potiguara, os líderes da época viram a necessidade de se criar uma organização que unisse todas as mobilizações que estavam surgindo no Nordeste, Espírito Santo e Minas Gerais. Assim, em 1990 criam a Comissão de Articulação Indígena Leste/Nordeste. E cinco anos mais tarde, em março de 1995, nasce a APOINME (Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo), como forma de institucionalizar a Comissão. “As organizações indígenas do Nordeste, a Comissão e depois a APOINME, foram criadas com uma preocupação de se constituírem pelas suas bases”, relatou o antropólogo José Augusto (Guga). De acordo com Paulo Tupiniquim, atual coordenador geral da APOINME, um dos maiores desafios da organização hoje é formar novos quadros de lideranças e levantar fontes de financiamento.

Houve ainda o lançamento do livro “Diga ao povo que avance!” da Profa. Kelly Oliveira da UFPB, sobre o movimento indígena do Nordeste, com enfoque na criação da APOINME. O livro foi distribuído para todos os cursistas.

Mapas e feira de sementes

Como tarefa de casa do módulo anterior, os cursistas, junto com suas comunidades, redesenharam seus mapas territoriais, destacando conflitos socioambientais devido a impactos de empreendimentos e atividades econômicas.

Um dos casos mais emblemáticos apresentados foi a situação dos povos Tupiniquim e Guarani do Espírito Santo, que tem o seu território fortemente afetado por essas atividades. “A terra que é mais atingida pelos impactos desses empreendimentos é a dos Tupiniquim e Guarani. Existem cerca de 38 empreendimentos que estão no entorno e dentro do nosso território”, afirmou Paulo Tupiniquim.

Os cursistas também trouxeram sementes tradicionais para trocarem entre si, tais como milho, feijão, espécies de árvores para madeira, e outras usadas para o artesanato.

José Conceição Pataxó explica para Margarida Maxakali sobre as sementes da sua TI. Foto: ©Andreza Andrade/Projeto GATI

Sobreposições entre TIs e Ucs

O tema foi tratado com base nos casos de sobreposição da Rebio de Serra Negra (PE) e da APA de Mamanguape (PB) com áreas indígenas. A coordenadora da CR-6 do ICMBio, Carla Marcon e o cacique Valdemir Pipipã, do povo Pipipã de Pernambuco, foram convidados para mediar a discussão. Antes da sua intervenção, o cacique Valdemir exibiu um vídeo que mostra os impactos do eixo leste de um dos canais da transposição do rio São Francisco, que vai impactar as terras por eles reivindicadas, incluindo a Serra Negra (veja aqui).

A Serra é uma “Reserva Biológica” (Rebio), ou seja, uma unidade de conservação de proteção integral, proibida para visitação pública, exceto no caso de fins educativos e científicos com autorização do órgão competente, o ICMBio. A área é um dos últimos brejos de altitude preservados, que abriga uma rica biodiversidade, com espécies endêmicas de animais e plantas. Para os povos Pipipã e Kambiwá, a Serra é um lugar sagrado, que remete à ancestralidade. É morada dos encantados e importante local para práticas de rituais. Para o  cursista Marcos Sabaru, existe um conflito de legislações, pois ao mesmo tempo que o SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza-Lei 9.985/2000) proíbe acessos às Rebios, a Constituição Federal (Art. 231) garante aos índios sua organização social, costumes, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Por conta desta situação, por muito tempo o conflito entre o órgão e os índios esteve acirrado. Por meio da mediação do Ministério Público em 2013, um TAC- Termo de Ajustamento de Conduta foi celebrado entre as partes e hoje o acesso dos índios à Serra para as práticas de rituais está permitido, sob condições de não interferência na preservação ambiental. De acordo com os convidados, esse foi um grande passo para abertura do diálogo entre os índios e o órgão. Carla Marcon, enfatizou que espaços como o curso em PNGATI se configura em ocasiões importantes para promoção desse diálogo e compreensão das causas indígenas. Segundo a coordenadora, é muito importante que haja mais formação de gestores para lidar com essas questões. Da mesma forma, Valdemir Pipipã concordou dizendo que ambos querem a preservação da Serra Negra, portanto somente com diálogo é que se chegará num entendimento.

No caso da APA (Área de Proteção Ambiental) de Mamanguape, que está sobreposta a TI Potiguara, os conflitos se referem às atividades de carcinicultura que vem impactando ambientalmente a região. Entretanto, a atividade representa uma importante fonte de renda para as comunidades indígenas. Diagnósticos e diversas reuniões e já foram realizadas, mas o impasse ainda não foi resolvido.

Encerramento do módulo e visita ao Museu Câmara Cascudo

No encerramento do módulo houve avaliação e distribuição das tarefas de casa, dentre elas: repassar o conteúdo estudado para suas comunidades e elaborar um texto sobre ideias para trabalho de conclusão de curso. Os resultados serão apresentados no próximo módulo em novembro, na área indígena Tupiniquim, no Espírito Santo.

Como ultima atividade, os cursistas visitaram no dia 25/08, a exposição “Os primeiros brasileiros”, no Museu Câmara Cascudo em Natal (RN). A exposição mostra as diferentes formas pelas quais os povos indígenas do Nordeste foram vistos e incorporados ao processo de construção nacional.

Cursistas no Museu Câmara Cascudo, visitando a exposição "Os primeiros brasileiros". Foto: ©Andreza Andrade/Projeto GATI

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