28 de novembro 2014
Funai, MMA, ICMBio e Projeto GATI realizam último módulo do Curso Básico de Formação em PNGATI para o Bioma Mata Atlântica Sul/Sudeste
O quinto e último módulo do Curso Básico de Formação em PNGATI para o Bioma Mata Atlântica Sul/Sudeste aconteceu entre os dias 17 a 21 de novembro, na Academia Nacional da Biodiversidade (Acadebio), na Floresta Nacional de Ipanema, no município de Iperó/SP. A realização do curso é fruto da parceria entre a Fundação Nacional do Índio (Funai), Ministério do Meio Ambiente (MMA), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Projeto GATI (Gestão Ambiental e Territorial Indígena), com apoio da Articulação dos Povos Indígenas do Sul (ArpinSul), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF) e da Cooperação Alemã para o Desenvolvimento (GIZ).
Discutindo arrendamento
No primeiro dia, o Coordenador Geral de Promoção ao Etnodesenvolvimento (CGEtno) da Funai, Juan Felipe Negret Scalia, tratou das situações de arrendamento de terras indígenas no país, dando destaque para a região Sul, onde os principais casos estão relacionados com a lavoura de soja. Juan tratou de várias dimensões da questão, frisando que o arrendamento não é uma exclusividade do Sul do país e que a prática foi adotada como política de Estado na época do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) como forma de financiar o órgão indigenista. O arrendamento continuou por algum tempo com intermédio de alguns funcionários do órgão, através do estabelecimento de contratos formais ou informais entre indígenas e arrendatários. Dessa forma, o Estado teria grande responsabilidade na reversão dessa situação, devendo fazê-la por meio de diálogo, caso a caso, em respeito às especificidades e configurações culturais de cada contexto, sem criminalizar as lideranças indígenas envolvidas nessa prática.
O contexto urbano da Terra Indígena Jaraguá (SP)
No segundo dia, os participantes conheceram de perto um contexto de indígenas vivendo em meio urbano: a Terra Indígena (TI) Jaraguá, localizada na periferia da cidade de São Paulo (SP), demarcada em 1986 com uma área de 1,75 hectares e que atualmente se encontra em fase de reestudo, com uma nova área delimitada de 532 hectares. A visita foi guiada e planejada pelos cursistas Jurandir Jekupe, professor e liderança Guarani da referida TI, e Maíra Bueno Pinheiro, da Coordenação Técnica Local (CTL) da Funai em São Paulo. Na casa de reza, os cursistas foram recebidos pelo cacique Tiago, pelas lideranças David Martim e Sônia, da Comissão Guarani Yvyrupa. Os Guarani demonstraram como mesmo em um contexto extremamente urbanizado ainda é possível viver a cultura. Visitou-se ainda o Centro de Educação e Cultura Indígena-CECI, no qual o professor Pedro expôs a concepção de educação norteada pelo modo de ser Guarani.
Na visita foi possível identificar vários desafios para os indígenas que vivem na periferia de uma grande metrópole, em uma área pequena e pouco agricultável. Um dos principais problemas diz respeito aos córregos que cortam a aldeia, vindo do alto da serra e do Parque Estadual, e sofrem contaminação por efluentes e esgoto doméstico. No final do dia, o grupo visitou outra área de TI, mais próxima à base do pico do Jaraguá: o Tekoha Itakupé, liderado pelo cacique Sr. Ari. Trata-se de uma região de mata secundária em estágio avançado de recuperação onde os cursistas fizeram uma trilha guiados pelo cacique. O mesmo apresentou vários aspectos da área e relatou a história de luta pela reconquista do seu território e a resistência dos Guarani.
Financiamento da PNGATI
No terceiro dia, o antropólogo Eduardo Vieira Barnes, da The Nature Conservancy (TNC), discutiu as fontes de financiamento da PNGATI. Barnes apresentou o estudo da Consultoria Nave Terra, apoiado pela TNC, que esboçou um plano de sustentabilidade financeira para a PNGATI para além do que está previsto no Decreto que instituiu a Política, que se limita ao orçamento público, às dotações orçamentárias dos órgãos públicos e à elaboração dos planos plurianuais (PPAs). O estudo também identificou outras fontes possíveis de recursos, o que estas já aportam hoje e o potencial que têm de aportar no futuro, a partir de diferentes arranjos institucionais de implementação e mecanismos financeiros.
Seminário de Diálogo Intercultural encerra o curso
Os dois últimos dias foram dedicados ao Seminário de Diálogo Intercultural de encerramento do curso, momento no qual os cursistas apresentarem os seus trabalhos de conclusão da formação. A ocasião contou com a presença de representantes de instituições potencialmente parceiras para contribuírem com os trabalhos, entre as quais algumas que já haviam colaborado em módulos anteriores. Foram elas: Sesai, DSEI Litoral Sul, Emater/RS, Epagri/SC, Desma/UFRGS, UNILA, UFSCar, IFPR, GIZ, Comissão Pró-Índio SP, Comissão Yvyrupa e Projeto GATI.
Após a mesa de abertura, na qual falaram representantes das instituições parceiras responsáveis pelo curso, foi feita uma dinâmica – o “caminho do curso” – em que os cursistas reconstituíram o histórico da formação a partir dos momentos mais marcantes nos diferentes módulos. O momento contou com a contribuição dos parceiros que lembraram momentos da história da elaboração da proposta da formação e seu marco conceitual.
As apresentações dos trabalhos foram feitas tanto de forma individual, quanto coletiva, com grupos formados apenas por indígenas, por servidores e grupos mistos. O grupo formado por servidores da Coordenação Regional (CR) de Passo Fundo da Funai e indígenas Kaingang apresentou o resultado de um diagnóstico rápido participativo e etnomapeamento realizado em duas aldeias, uma Kaingang e outra Guarani, na TI Nonoai no Rio Grande Sul, que gerou diretrizes de gestão e identificou potenciais parceiros para apoiar a implementação destas. Já os servidores da Funai das CRs Litoral Sul e Litoral Sudeste apresentaram uma proposta pactuada com algumas lideranças Guarani para a realização de uma feira de sementes, reunindo os xeramõi - os gestores do mundo Guarani, para troca de saberes e conhecimentos em torno da guarda, reprodução e uso da agrobiodiversidade e os conhecimentos tradicionais associados a esta.
O grupo dos Guarani Nhandewa do norte do Paraná apresentou uma sistematização das experiências de gestão de um conjunto de três TIs que mantêm relações inter-aldeãs – Laranjinha, Posto Velho e Pinhalzinho – e por meio das quais trocam, aprofundam e renovam essas experiências, que têm um forte componente de regeneração cultural. Outro grupo formado exclusivamente por cursistas Guarani apresentou uma proposta de fortalecimento da rede de casas de reza (opÿ), em especial nos tekoas considerados referências culturais e nos que vivenciam impactos socioculturais do enfraquecimento de práticas tradicionais, com formação de espaços etnoagrobiodiversos no entorno das opÿ. Esta apresentação entremeada por um conjunto de cantos Guarani, que também encerrou a rodada de exposição.
A noite do primeiro dia do seminário também foi marcada pelo lançamento de três publicações, duas delas da Editora Mil Folhas IEB e uma de autoria indígena coletiva. Os livros A diversidade cabe na unidade? Áreas protegidas no Brasil e Os novos desafios da política ambiental brasileira foram apresentadas por Nurit Bensusan do Instituto Socioambiental; e o Boletim Informativo Identidades Coletiva e Conflitos Territoriais no Sul do Brasil nº 2: “Nosso Lar nós Conhecemos” - cartografia social do Tekoa Nhandewa, Terra Indígena Pinhalzinho, foi apresentada pelo cursista Reginaldo Alves Guarani. Após a apresentação das publicações houve uma noite de autógrafos com confraternização.
O seminário se encerrou na sexta à tarde com uma conversa com os representantes das instituições presentes, que apresentaram suas perspectivas em relação à implementação da PNGATI e a possibilidade de apoiar algumas das propostas apresentadas pelos cursistas. Após essa conversa, os cursistas receberam os seus certificados de conclusão de curso das mãos de Daniel Castro, Coordenador Geral de Gestão Socioambiental do ICMBio.