9 de outubro 2015
Funai e MMA realizam segundo módulo de formação em PNGATI para o Cerrado
Segundo módulo do curso de formação em PNGATI - (Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em terras indígenas) para o cerrado foi realizado na Sede da Funai, em Brasília, e instituições parcerias, em Goiânia - GO, entre os dias 21 e 25 de setembro.
Numa parceria entre Funai – (Fundação Nacional do Índio), MMA – (Ministério do Meio Ambiente), PUC-GO – (Pontifícia Universidade Católica de Goiás), UnB – (Universidade de Brasília), UFG – (Universidade Federal de Goiás) e Projeto Gati, foi realizado, entre 21 e 25 de setembro, o segundo módulo do curso de formação em PNGATI – (Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial em Terras Indígenas) para o Cerrado. O curso foi estruturado com uma etapa na Sede da Funai, em Brasília, e visitas ao IGPA - Instituto Goiano de Pré- História e Antropologia, ao Memorial do Cerrado, ambos vinculados à PUC - GO, e ao Museu Antropológico da UFG, em Goiânia.
O curso, realizado em cinco módulos, conta com a participação de indígenas de distintas regiões do Cerrado, compreendidas entre os estados do Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Maranhão, além de servidores públicos da Funai, Ibama, Ministério do Meio Ambiente, Naturatins, ICMBio e UFT.
Durante a formação, os cursistas discutiram conteúdos relativos aos eixos 3, 4, 5 e 6 da Política[1], com o objetivo de refletir criticamente sobre as relações entre natureza e cultura, de forma a evidenciar a diversidade de perspectivas sociais e culturais sobre a temática.
Os cursistas indígenas identificaram e discutiram estratégias para o enfrentamento de problemas comuns em suas regiões, com ênfase nos impactos sofridos por empreendimentos agrícolas do entorno, e nas pressões políticas e econômicas sobre os seus territórios tradicionais.
No incício da semana, foram discutidos temas como a relação entre os sistemas agrícolas e extrativistas de comunidades tradicionais indígenas e não indígenas do Cerrado, os conhecimentos por elas desenvolvidos e a agrobiodiversidade; os conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético e à biodiversidade; o manejo tradicional do fogo pelos povos do Cerrado; e o histórico de formação, conflitos e desafios para a gestão compartilhada de terras indígenas e unidades de conservação.
Experiências de gestão
A colaboradora Carolina Rewaptu, coletora e professora Xavante da Terra Indígena Marainwatsédé, que integra a Rede de Sementes do Xingu, explicou como o trabalho de coleta de sementes iniciado em 2010 foi importante para o conhecimento do território e o fortalecimento do modelo próprio de transmissão de conhecimentos do povo Xavante. A partir das expedições de coleta de sementes, idealizadas pelas mulheres, passou-se à reflexão sobre a necessidade de se ensinar às crianças conhecimentos amplos sobre a alimentação, a medicina e o território tradicional Xavante, assuntos que demandam a valorização do que é repassado pelos mais velhos.
Por meio da experiência, em que as sementes eram tema gerador, foram trazidas à tona diversas outras questões fundamentais para o povo indígena, como a situação da saúde, da soberania alimentar, da necessidade do reflorestamento da área, da vigilância e do uso do território. O processo como um todo fomentou ainda a organização e participação política das mulheres, e instituiu um valioso sistema de trocas entre as mulheres mais velhas e as jovens.
Conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético e à biodiversidade
Dentro das discussões sobre a regulamentação do acesso aos conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético e à biodiversidade, o colaborador Yakari Kuikuro, presidente da Associação Terra Indígena do Xingu (Atix), socializou uma recente tentativa de apropriação privada dos conhecimentos tradicionais dos povos do Alto Xingu relacionados ao cultivo do pequi.
Os povos indígenas que habitam a porção sul do Parque Indígena do Xingu - (PIX) desenvolveram, a partir de técnicas agrícolas próprias, a produção de uma espécie que possui características que os destacam dos pequis de outras regiões: frutos sem espinhos no caroço, mais carnudos, de diferentes colorações e que produzem mais óleo.
Após o processo de demarcação do PIX, alguns pequizais ficaram fora dos limites da terra indígena e, portanto, acessíveis aos fazendeiros do entorno. Dessa forma, um fazendeiro da região cedeu algumas sementes de pequi sem espinho para uma empresa fazer pesquisa e melhoramento genético, com vistas ao aproveitamento comercial da variedade.
Apesar de ter havido, de fato, apropriação do conhecimento tradicional indígena embutido nas sementes do pequi pelo fazendeiro, a iniciativa não estaria em desacordo com a lei, uma vez que, até então, a repartição dos benefícios deve ser feita com o titular da área onde o recurso foi obtido. A empresa, portanto, pediu autorização para o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético - (CGEN) para elaborar um produto a partir da variedade do pequi xinguano, e fez um contrato de repartição de benefícios com o fazendeiro.
Representantes indígenas do Alto Xingu, com o apoio da Funai, que possui assento no CGEN, foram à Brasília contestar esse contrato e solicitar ao Conselho que não concedesse autorização de acesso à empresa, que desistiu do projeto. A partir desse caso, os povos indígenas do PIX fizeram uma solicitação de registro e salvaguarda do processo de domesticação do pequi xinguano como patrimônio cultural imaterial ao IPHAN - (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), conforme previsto no Programa Nacional do Patrimônio Imaterial - (PNPI).
O passado e o presente dos povos do cerrado
No penúltimo dia do encontro, os cursistas visitaram o núcleo de documentação audiovisual do IGPA, onde tiveram contato com parte do acervo produzido pelo documentarista Jesco Von Puttkamer, e o Museu Antropológico da UFG, onde conheceram a documentação produzida pelo sertanista Acary de Passos Oliveira.
A apresentação do material audiovisual e do filme Pïrinop: – meu primeiro contato estimulou uma reflexão sobre a necessidade dos povos indígenas construírem suas próprias narrativas, e ainda a demanda do retorno desses materiais às aldeias onde foram produzidos. Os registros também foram reconhecidos como importantes ferramentas de luta política dos povos indígenas em processos de regularização fundiária.
Atualmente, a PUC - GO desenvolve um projeto de qualificação parcial do material armazenado em seu acervo, a partir de processos de digitalização e de encontros com os povos indígenas para qualificação dos registros. A equipe do Museu Antropológico da UFG, a partir do projeto Imagens e Relatos de um Sertão Desconhecido, também objetiva sistematizar sua memória institucional e disponibilizar seus arquivos documentais.
No último dia, os cursistas visitaram o Memorial do Cerrado. Em visita guiada ao Museu de História Natural, visualizaram as fitofisionomias que compõem o bioma e o seu processo de formação, e conheceram ainda espaços cenográficos que remontam à ocupação da região, como uma vila, uma fazenda, um quilombo e uma aldeia indígena Timbira.
Um dos momentos mais marcantes do encontro foi a apresentação do vídeo Sustentando o Cerrado na Respiração do Maracá: conversas com os mestres Krahô, ao qual se seguiu uma roda de conversa com o ancião Getúlio Krahô, sobre as cosmologias indígenas e o manejo do mundo.
[1] A PNGATI foi instituída pelo Decreto nº 7.747, de 05 de junho de 2012, e possui objetivos específicos estruturados em sete eixos. Os eixos trabalhados na segunda etapa do curso de formação contemplam as seguintes temáticas:
eixo 3: Áreas protegidas, unidades de conservação e terras indígenas; eixo 4: prevenção e recuperação de danos ambientais; eixo 5: uso sustentável de recursos naturais e iniciativas produtivas indígenas; eixo 6: propriedade intelectual e patrimônio genético.
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