12 de novembro 2014
Durante aula de campo, cursistas testemunham impactos ambientais sofridos na TI Tupiniquim Guarani
[3º módulo do Curso Básico de Formação em PNGATI para o Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo]
No terceiro dia de curso, 05/11, a aula de campo teve como objetivo estudar de maneira prática os Eixos IV e V da PNGATI, referentes à prevenção, recuperação ambiental e uso sustentável de recursos naturais e iniciativas produtivas. A aula proporcionou aos cursistas conhecer locais na Terra Indígena Tupiniquim e Guarani onde há iniciativas de recuperação ambiental associadas a atividades produtivas e locais que sofrem com impactos ambientais provocados pelos empreendimentos que estão dentro e no entorno do território indígena.
Todo o processo de homologação da TI Tupiniquim e Guarani foi concluído em 2012. A área soma um total de 18 mil hectares. A luta por esse reconhecimento, contudo, tem como marco inicial a década de 1960, ano em que a Aracruz Celulose, atual Fibria, se instalou na região e iniciou um processo de expropriação das aldeias indígenas para o monocultivo de eucalipto destinado à produção de celulose. Em meio a diversos enfretamentos, o primeiro passo para o diálogo aconteceu em 2007, quando por intermédio do Ministério Público Federal, a Fibria, a Funai e indígenas assinaram um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) para negociarem as compensações e reparos.
Entretanto, atualmente existem mais de 30 empreendimentos que impactam diretamente essa TI e a vizinha TI Comboios. Dentre eles estão a rodovia ES-010, que cortou o território obrigando os indígenas a recuarem sua ocupação; a construção do gasoduto Lagoa Parda-Vitória, que se encontra dentro de aldeias Guarani; a construção do estaleiro Jurong para escoamento dos produtos do Pré Sal, que está a 3km das TIs; o lixão do município na aldeia Areal; dentre outros. Muitos desses empreendimentos não realizaram quaisquer estudos de impacto sobre o território indígena e mesmo assim foram construídos. Outros estão em diferentes estágios do procedimento de licenciamento ambiental, com pouca ou nenhuma participação indígena.
Visita ao “Pinicão”
“Pinicão” é como os Guarani chamam a Estação de Tratamento de Esgoto que está dentro da aldeia Piraquê-açu. A Estação foi construída em 1980 pela então Aracruz Celulose para coletar o esgoto doméstico das casas dos seus funcionários. Hoje a Estação está sob responsabilidade da Prefeitura, que coleta o esgoto de Coqueiral e Santa Cruz, ambos distritos de Aracruz, para despejá-lo ali.
A Estação está a menos de 100 metros das casas dos Guarani e a sua presença contamina o solo, exala mau cheiro, provoca doenças de pele, diarreias e favorece a proliferação de mosquitos. Em épocas de chuva, os tanques transbordam e jogam água contaminada para dentro das casas. “Quem joga esgoto ali não é o índio, é o homem branco. Há pouco tempo morreu uma criança que mergulhou num desses tanques sem saber o que era. Além das doenças, esse Pinicão traz morte”, afirmou o cacique Peru Guarani.
Várias ações na justiça tentam retirar o “Pinicão” da aldeia, mas até o momento nada foi resolvido. Para piorar a situação, a Estação também despeja o esgoto diretamente no estuário do rio Piraquê-Açu, que é um dos mais importantes do Brasil. De acordo com Leandro Chagas do ICMBio, as consequências dessa intensa poluição hídrica resultam na perda da biodiversidade aquática.
Paulo Tupiniquim contou que o rio era uma importante fonte de subsistência e renda para as comunidades. Hoje não há mais peixes, nem caranguejos, e os que sobraram estão contaminados. Paulo disse ainda que existem outras estações coletando os resíduos das fábricas e jogando diretamente nos rios.
Os cursistas também conheceram a “Aldeia Temática” construída pelos Guarani para produção de um filme. Hoje a mesma é usada para visitação de turistas e estudantes.
Conhecendo as ações de reflorestamento e recuperação ambiental
Grande parte da TI Tupiniquim Guarani foi duramente degradada pelos mais de 40 anos da monocultura de eucalipto. O solo se tornou muito empobrecido de nutrientes, por isso o processo de recuperação é lento. Algumas iniciativas em curso tentam superar essas sequelas, parte delas vindo de compensações ambientais, outras de ações do poder público e de políticas de responsabilidade socioambiental de empresas.
A primeira experiência visitada foi o reflorestamento de uma área de 57 ha nas imediações da aldeia Pau Brasil. A ação é fruto de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) entre o estaleiro Jurong e os Tupiniquim. Nesse caso, a Jurong foi quem realizou o reflorestamento, usando maquinário e espécies selecionadas pelos próprios indígenas.
A outra área visitada foi nas imediações da aldeia Caieiras Velhas II. A recuperação está sendo articulada pelo Programa de Sustentabilidade Tupiniquim e Guarani (PSTG), que integra as ações de responsabilidade socioambiental da Fibria, que mantém o programa para conseguir certificação pelo FSC (Forest Sterwardship Council) para os seus produtos. O programa trabalha em parceria com famílias indígenas que se interessam em fazer parte da iniciativa. A agroecologia é utilizada como norteadora dessas ações de recuperação.
Visita à aldeia Olho d’Água
A emblemática aldeia guarani Olho d’Água também foi escolhida para a aula de campo. A mesma se tornou símbolo da luta pela demarcação. Em 2005 aconteceu no local um dos maiores enfrentamentos entre os indígenas e a Polícia Federal, que cumpria mandado de reintegração de posse em nome da Aracruz Celulose. Essa área fazia parte das terras reivindicadas pelos indígenas, mas a posse estava nas mãos da empresa. O conflito só se encerrou com assinatura de um TAC em 2007 e a homologação do território em 2012.
Histórias como essas foram contadas aos cursistas por Toninho Guarani, Paulo Tupiniquim, Josi Tupiniquim e o cacique de Olho d’Água, Roberto Silveira Guarani. As lideranças também falaram sobre origens dos povos Tupiniquim e Guarani e como estes tiveram seus direitos territoriais retirados desde à época do Brasil colônia. Lembraram de diversos episódios marcantes que demonstram o preconceito e o racismo da sociedade envolvente, como o caso da campanha de mídia, organizada pela Aracruz Celulose e seus apoiadores, que instalou outdoors com mensagens preconceituosas contra os indígenas nos arredores da cidade de Aracruz. “Eles insistiam que nós não éramos índios, diziam que éramos descendentes de italianos”, afirmou Paulo Tupiniquim.
A superação também foi interna, pois a união desses povos tão diversos entre si foi fundamental na luta pela conquista dos seus territórios. “Nas nossas assembleias perguntávamos a nós mesmos o que era mais importante, o dinheiro ou a terra? E conscientemente todos concordavam que era a terra”, contou Toninho Guarani.
As lideranças também refletiram que apesar das terras já estarem homologadas, ainda há muito a ser feito, pois os impactos dos empreendimentos continuam pressionando o território. “A luta foi muito dura para conquistarmos nossos direitos territoriais, agora precisamos pensar no futuro que queremos, que tipo de gestão ambiental e territorial vamos traçar para nossa terra, tendo em vista a pressão que ainda estamos sofrendo por conta desses empreendimentos”, afirmou Paulo Tupiniquim.