15 de setembro 2014
Formar PNGATI certifica primeira turma da região Amazônica
O quinto módulo do Curso Básico de Formação em Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas na Amazônia (Formar PNGATI), foi realizado no período de 11 a 15 de agosto, no Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol (CIFCRSS), localizada na comunidade indígena Barro, região do Surumu, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
O Formar PNGATI é um processo de formação de povos indígenas e gestores públicos do governo brasileiro, com foco na implementação da Política de Gestão e Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), instituída pelo Decreto Presidencial nº 7.747, de 05 de julho de 2012, que trouxe aos povos indígenas do Brasil novas perspectivas de apoio à gestão de suas terras.
Nessa direção, os povos indígenas de Roraima, após uma discussão iniciada em maio de 2013, juntamente com órgãos públicos locais e federais, começaram a dar os primeiros passos para melhor conhecer a PNGATI, sob a perspectiva de por em prática os planos de gestão das suas terras - planos construídos a partir das visões indígenas, com respeito aos costumes tradicionais e de acordo com a realidade de cada povo e região.
Nesse contexto político, social e cultural dos povos indígenas, o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), executor das ações do Formar PNGATI em três sub-regiões da Amazônia, realizou as cinco etapas do curso básico em Roraima, envolvendo indígenas e servidores de instituições públicas locais, numa turma de 30 cursistas. Essa é a primeira turma a concluir o curso básico Formar PNGATI.
Participaram desse processo, indígenas dos povos Macuxi, Wapichana, Ingaricó, Yanomami, Ye’kuana, Taurepang e Sapará, assim como servidores das seguintes instituições públicas: Fundação Nacional do Índio (Coordenação Regional de Boa Vista e Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami e Ye’kuana), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab/RR), Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama/RR) e Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena da Universidade Federal de Roraima (UFRR).
Essa etapa foi dividida em três momentos. Primeiro, foram trabalhados os temas da legislação indigenista e ambiental; em seguida, os instrumentos de participação, controle social e gestão pública (espaços públicos, comitês, comissões, conselhos e outros); e, por fim, o momento destinado à apresentação dos resultados das pesquisas colaborativas - os trabalhos construídos ao longo do processo de formação - com a socialização das propostas dos cursistas.
O professor e procurador do Ministério Público Estadual de Roraima (MPE-RR), Dr. Edson Damas, considerou positiva a iniciativa PNGATI, que vem de encontro a uma nova fase do movimento indígena, principalmente na região de Roraima e na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, que passa pelo período de pós-demarcação. “A iniciativa do Formar PNGATI é extremamente positiva, principalmente pelo período pós-homologação, pois junto vêm as fases da gestão territorial e ambiental, do fortalecimento, no que diz respeito à responsabilidade dos indígenas sobre suas terras, e a fase de consolidar a autodeterminação dos povos indígenas”.
Com base no Eixo 2 e no Artigo 5º da PNGATI, a Secretária Executiva Adjunta do Instituto Socioambiental (ISA/DF), Adriana Ramos, apresentou as referências de participação dos povos indígenas no controle social e nos espaços públicos - tais como comitês, fóruns, comissões, conselhos e outras instâncias governamentais. Tais espaços, segundo ela, também foram conquistas dos povos indígenas que os reivindicaram junto ao Estado brasileiro – sejam estes espaços de natureza consultiva e/ou deliberativa.
No debate, os cursistas observaram que, embora tais espaços tenham sido conquistados, ainda não conseguiram ter legitimidade quanto às suas atribuições. O fortalecimento das representações indígenas foi visto como possibilidade de participação e ocupação efetiva desses espaços nas áreas de saúde, educação, segurança alimentar e outras, que envolvem as demandas indígenas. “Precisamos reconhecer e fortalecer esses espaços como uma conquista de participação social e nunca aceitar que seja um beneficio que o Estado dá para nós, para que possamos aproveitar melhor os espaços”, destacou Adriana.
Em outro momento da programação, houve a participação de um dos coordenadores da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) e membro do Conselho Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Marcos Sabarú, do povo Tingui-Botó, do estado de Alagoas, trazendo a experiência de partipação e incidência indígena no Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. Sabaru também trouxe a experiência de seu povo em como manejar o solo, aproveitar os recursos naturais e proteger sua terra, que tem apenas 530 hectares, mas que já tem todo um trabalho realizado coletivamente em relação à produção de alimentos e à criação de animais para o consumo.
Quanto à gestão territorial e ambiental das terras indígenas de Roraima, Sabaru, destacou a importância do fortalecimento das organizações indígenas, local, regional e nacionalmente. Frisou que “apesar da bandeira de luta do movimento indígena ser também saúde e educação, a maior bandeira ainda continua sendo pelo direito à terra”. Com a conquista da terra por muitos povos indígenas no Brasil, Sabaru apontou as potencialidades e iniciativas dos povos de buscar novas alternativas de fazer gestão da terra, como por exemplo, o próprio CIFCRSS, voltado para a formação de jovens lideranças indígenas - estes que, no futuro, vão garantir a sustentabilidade do povo e o direito à terra.
Seminário de Diálogo Intercultural
Nos dias 14 e 15 de agosto foi realizado o Seminário de Diálogo Intercultural, momento destinado ao diálogo entre os povos indígenas e representantes dos órgãos públicos. A apresentação dos trabalhos contou com a participação de lideranças indígenas, tuxauas e coordenadores regionais do CIR, e gestores representantes das instituições públicas presentes em todo o processo do Formar PNGATI – e outras também convidadas para o evento.
O coordenador da Coordenação Geral de Gestão Ambiental (CGGAM/Funai), Jaime Siqueira, fez uma reflexão sobre a conjuntura política do movimento indígena no país - conjuntura de ameaças e ataques aos direitos indígenas, e instabilidade quanto à garantia do direito à terra, tanto para as demarcadas, como para as que reivindicam o reconhecimento. Em relação à PNGATI, o coordenador destacou que a construção da política de gestão das terras indígenas foi baseada nos princípios de tais direitos e reafirmou que “sem terra, não há gestão”. Além disso, Jaime também disse que, na prática, as ações vão acontecendo na medida em que as demandas forem surgindo, priorizando as demandas já existentes. São ações que darão visibilidade à implementação de fato da PNGATI.
Como instituição parceira da PNGATI, o ICMBio, representado pelo Coordenador Regional Sergio Sá, manifestou de forma positiva a participação da entidade no processo de implementação da PNGATI. “Um ano depois, para nós é uma satisfação ver que o curso foi muito proveitoso aos servidores, indígenas e também pela oportunidade de termos mais essa parceria com o movimento indígena de Roraima”. Destacou a discussão com o povo indígena Ingaricó sobre a gestão compartilhada do Parque Nacional Monte Roraima, sendo esta uma das alternativas de trabalho no âmbito da PNGATI. Ao final, reafirmou a parceria para dar continuidade aos trabalhos junto às demais entidades parceiras da iniciativa Formar PNGATI, tanto públicas, quanto as organizações indígenas de Roraima.
Com a conquista de demarcação das 32 terras indígenas, o processo de gestão desses territórios é um dos desafios atuais dos povos indígenas de Roraima. Neste sentido, as lideranças avaliaram o curso como um passo importante para o planejamento da gestão territorial, já feito há séculos pelos indígenas, mas sendo necessário no contexto atual, de acesso às políticas públicas, somar parceiras com o poder público e tentar viabilizar as ações que atendam, de fato, as necessidades das comunidades indígenas de acordo com a realidade e costume de cada povo e região.
“Na minha visão, a PNGATI é muito importante, nós temos uma ferramenta para se trabalhar e agora os jovens que tiveram a formação devem praticar e levar os conhecimentos para as comunidades indígenas”, comentou Alzenir da Silva, tuxaua da comunidade indígena Gavião, região do Baixo Cotingo.
O Coordenador dos Agentes Ambientais e Territoriais Indígenas da região das Serras, Terra Indígena Raposa Serra do Sol, Ednaldo André, destacou a preocupação quanto à implementação das ações apresentadas, principalmente os projetos de desenvolvimento sustentável, o incentivo, as condições de escoamento e a valorização do produto no mercado local.
Falando na sua própria língua, Miguel Jones, presidente do Conselho do Povo Ingaricó (COPING), expressou o sentimento de alegria pela participação do povo Ingaricó na formação. Gelson Marins, assessor do COPING e cursista PNGATI, traduziu as falas do presidente dizendo que “primeiramente o importante foi a conquista da Terra, para que todos tivessem envolvidos na batalha de fazer gestão desse território”. “Nós temos que valorizar nossa terra, nossa mãe e nossa vida”, completou o líder indígena Ingaricó.
Os cursistas também avaliaram a formação adquirida pelo curso e a apontaram como um instrumento fundamental para as ações de gestão das terras em conjunto com as comunidades. Sinéia Bezerra do Vale, do povo indígena Wapichana, gestora ambiental e coordenadora do Departamento Ambiental e Territorial do CIR, participou do projeto como monitora e avaliou que o curso fortaleceu a formação na Política, que se tornou uma aliada dos povos na gestão dos territórios. “A PNGATI se tornou uma aliada dos povos na gestão das terras, assim como na reafirmação e garantia dos direitos, das conquistas alcançadas com muita luta e também na conquista dessa Política, a qual teve a participação indígena na construção”, destacou Sinéia.
O cursista Armindo Gois Melo, do povo indígena Yanomami, da região de São Gabriel da Cachoeira, comunidade Maturucá, no Amazonas, coordenador de gestão territorial da Hutukara Associação Yanomami (HAY), avaliou a formação da PNGATI como ferramenta que irá ajudar o povo indígena a pensar outras práticas de proteção territorial e articulação de parcerias com instituições governamentais, a fim de viabilizar apoio para o manejo, gestão da terra e principalmente para a parte operacional de implementação da política. “Fico satisfeito com as nossas organizações indígenas que atuam na área Yanomami, porque têm reivindicado melhorias para o nosso povo, através das práticas de manejo, da agricultura e outras formas de atendimento”, avaliou Armindo. Disse ainda que, “se sentiu feliz por ter participado da formação e ser um multiplicador das informações sobre as políticas do governo fazendo, chegar até as bases que ele representa”.
Um dos segmentos contemplados pela PNGATI são as mulheres indígenas, cada vez mais atuantes no movimento. Na perspectiva de fortalecer o espaço conquistado e valorizar a sua participação no processo, Telma Marques Taurepang, Secretária do Movimento de Mulheres Indígenas de Roraima, destaca o protagonismo das mulheres. “A mulher não está inserida na política e sim a política deve ser adequada ao cotidiano, servindo com suporte para solidificar essa participação e contribuir no papel de liderança que defende o território, protege o meio ambiente e busca a organização social da sua comunidade”, destacou Telma Taurepang.
A programação do último dia também contou com a participação de várias instituições convidadas: Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Prefeitura de Boa Vista, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima (IFRR), os dois Distritos Sanitários Especiais de Saúde Indígena da Região, a Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), o Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena da Universidade Federal de Roraima e outras que fizeram parte do histórico momento de implementação da PNGATI junto aos povos e terras indígenas do estado.