Etnomapeamento dos Potiguara da Paraíba
Iniciativa dos Potiguara para o Etnomapeamento
Ficha Técnica
- Nome
- Etnomapeamento dos Potiguara da Paraíba
- Objetivo
- O objetivo do etnomapeamento é convidar a comunidade a refletir sobre seu contexto, expressando-o, dentre outros, por meio da cartografia, além de fomentar discussões sobre planejamento e uso dos recursos existentes no território Potiguara.
- Modalidade
- Principais Atividades
- • Oficinas Participativas • Caminhadas guiadas pelo território Potiguara • Trabalho de Campo: registro fotográfico e anotações
- Resultados
- • Etnomapas sobre cada uma das três TIs • Desenhos e Croquis da região • Registros fotográficos da paisagem e caracterizações socioambientais
- Mecanismos
- Nenhum
- Instrumento(s)
- Etnomapeamento, Diagnóstico
- Bioma(s)
- Mata Atlântica
- Etnia
- Apiterewa Potiguara
- Entidade executora
- Povo Potiguara e Coordenação Geral de Monitoramento Territorial (CGMT)
- Entidade financiadora
- Assoc. Indígena(s) envolvida(s)
- Comunidades envolvidas
- Contato
- Palavras-chave
- manejo, participação da comunidade, gestão ambiental
História
Os Potiguara fazem parte dos povos da família linguística Tupi. Hoje, falam o português e estão revitalizando o tupi na educação escolar indígena. E como todos os povos que vivem no Nordeste, possuem uma longa história de contato com a sociedade não indígena.
Com uma população de aproximadamente 19 mil indígenas entre habitantes das aldeias e das cidades de Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto, os Potiguara se concentram numa área do litoral norte paraibano situada entre os rios Camaratuba e Mamanguape. Um número não contabilizado de pessoas vive ainda em outras cidades como Mamanguape, João Pessoa e até mesmo no Rio de Janeiro ou no Rio Grande do Norte. O conjunto das aldeias constituem três Terras Indígenas (TIs) contíguas, perfazendo um total de 33.757 hectares. A TI Potiguara (população de 8.109 pessoas), a TI Jacaré de São Domingos (população de 449 pessoas) e a TI Potiguara de Monte Mór (população de 4.447 pessoas).
O território está situado sobre a área dos municípios de Baía da Traição, Rio Tinto e Marcação. A rodovia PB-41 adentra as TIs Monte-Mor e Potiguara ligando a cidade de Rio Tinto a Baía da Traição. Outras estradas de terra recortam o território indígena fazendo a ligação das aldeias entre si e dessas com os centros urbanos. Além de contar com a infraestrutura dos centros urbanos, a maioria das aldeias possui uma escola de ensino básico, um posto de saúde e casas de farinha. Além disso, muitas aldeias possuem igrejas sendo duas delas símbolos históricos e territoriais: a igreja de São Miguel, da aldeia de mesmo nome, e a de Nossa Senhora dos Prazeres, na Vila de Monte-Mor.
Os Potiguara, provavelmente, são os únicos dentre os povos indígenas situados no Brasil a viver no mesmo lugar desde a chegada dos colonizadores há 500 anos2. A bibliografia e os documentos sobre a história do atual Estado da Paraíba evidenciam, desde as notícias mais remotas após o descobrimento do Brasil, à presença dos Potiguara no litoral paraibano e, mais notadamente, na Baía da Traição. A permanência, contudo se deu a custa de resistência às investidas de diversos invasores. Os Potiguara resistiram às tentativas de conquista de seu território guerreando bravamente e por meio de diversas formas de resistência e indigenização de elementos da cultura ocidental, do branco.
As terras dos Potiguara, em sua história mais recente, foram ocupadas por grandes proprietários, dentre eles a poderosa família Lundgren, donos da Companhia de Tecidos Rio Tinto (CTRT), conhecida no Brasil inteiro por meio da cadeia de lojas “Casas Pernambucanas”, acelerando o processo invasão do território indígena e de destruição dos ambientes. A fábrica de tecidos se instalou às margens do rio Mamanguape, limite sul do atual território indígena. Em 1918, iniciaram a drenagem e canalização das águas de uma lagoa ali existente, derrubaram a mata e abriram os primeiro caminhos. No final de 1925 a Companhia começou a funcionar tendo se apropriado de grande parte do território indígena. Ela passa a atrair mão-de-obra empregando muitos potiguaras na construção de roçados e na abertura e conservação de estradas e caminhos3.
A Companhia Rio Tinto invadiu enormes extensões da área indígena, principalmente para cortar madeira de lei para a construção da fábrica, e de lenha para alimentar suas máquinas. Grande parte da madeira das matas, hoje quase inexistentes, começou a ser sobre-explorada na época da Companhia. A época da chegada da fábrica de tecidos é lembrada como um período de muita violência e terror. Os índios eram expulsos de suas terras e os que resistiam eram reprimidos com violência pelos funcionários da empresa. As roças eram destruídas e o acesso aos recursos ambientais foi restringido, como rememoram os mais velhos:
Ainda na década de 30, o Serviço de Proteção ao Índio instalou um posto indígena na aldeia São Francisco. Na ocasião, o encarregado do posto denunciava, que as matas da região estavam sendo devastadas devido à grande quantidade de árvores derrubadas para o fornecimento de madeira à indústria têxtil. O corte intensivo de madeira estaria causando, segundo o encarregado, a extinção da caça e o prejuízo à proteção das nascentes. Na década de 70 a indústria já ocupava uma área de 80 Km2 da antiga Sesmaria incluindo “terras de tabuleiro e matas, repletas de madeiras valiosas”4.
De acordo com a memória dos Potiguara, a maior destruição das matas e tabuleiros viria acontecer com a chegada das usinas de cana-de-açúcar a partir de fins dos anos 70. Antes de falar sobre a época das usinas, contudo, cabe citar a transformação da Vila de Baía da Traição em cidade turística como um evento que também contribuiu para a configuração do território indígena5. O local foi transformado em instância de veraneio no início da década de 70 de pessoas ricas e influentes de João Pessoa, Campina Grande, Sapé, Mamanguape e Rio Tinto.
Na década de 80, quando a área indígena Potiguara veio a ser demarcada, foram excluídos dela 250 ha reservados à expansão da cidade. Apesar de tudo, a relação entre os PotiguaraFinalmente nos anos de 1983 e 1984, o trabalho de demarcação da área é concluído, delimitando um território de 21.238 ha. Tal demarcação excluiu a antiga sesmaria de Monte- Mor, onde havia “propriedades” da Cia de Tecidos Rio Tinto e de algumas usinas. Também outras localidades habitadas pelos Potiguara como Lagoa Grande e Grupiúna ficaram de fora, bem como a cidade de Baía da Traição e área de reserva do manguezal do rio Mamanguape.
As aldeias Jacaré de São Domingos e Grupiúna se mobilizaram no sentido de reivindicar o reconhecimento do território tradicional, sendo homologada em 1993. Monte-Mor foi o terceiro território a ser reconquistado. No sentido inverso, os Potiguara passaram a “empurrar” os canaviais pra fora do seu território. A “retomada”, como dizem, foi feita com a substituição do canavial pelo plantio de “roça”. O início do processo de retomada foi em 2003 quando nove barracas foram armadas na borda da cidade de Marcação em áreas de canavial.
“A retomada foi pra plantar roça. Isso tudo aqui era roça aqui. Onde hoje tá tendo casa, isso aqui tudo era roça depois da retomada que a gente fez. Tudo era roça, tudo. Aí vão fazendo as casa, fazendo os seus sítio e a gente vamos andando mais pra frente e deixando o local dos seus sítio e pegando outros terreno já pra fazer plantação de roça”. (Liderança de Três Rios).
A demarcação das terras indígenas, por um lado, representa uma grande conquista de uma luta histórica, mas por outro, não impede o avanço da cana, maior ameaça à sustentabilidade do território atualmente, uma vez que alguns Potiguara associam-se aos usineiros na implantação das monoculturas. Por isso, nas décadas de 80 e 90 a criação de unidades de conservação na região buscou proteger fragmentos de Mata Atlântica remanescentes, com a criação da RESEC Mata do Rio Vermelho em 1984, da ARIE Mamanguape em 1985, da REBIO Guaribas em 1990 e da APA Barra do Rio Mamanguape em 1993.
Desde meados da década de 1990, com o incentivo de empresas privadas que vêm investindo na carcinicultura no litoral do nordeste brasileiro, algumas famílias Potiguara têm construído tanques para a produção de camarão sobre áreas de manguezais nas margens próximas a foz do rio Mamanguape. Esse tem sido um dos principais pontos de conflito entre comunidade indígena e Ibama, uma vez que a carcinicultura está sendo desenvolvida numa área de sobreposição da APA e da TI7.
Desse modo vem se configurando o mosaico ambiental no qual consiste o território dos Potiguara. A seguir veremos como percebem o e ambiente tal como ele é hoje. Em outros capítulos daremos destaque para temas introduzidos aqui como os conflitos, a agroindústria da cana-de-açúcar, entre outros, na gestão territorial.
Depoimentos
“Agente índio quando se morre, eu creio o seguinte, que tanto que a gente ama as mata, a mãe natureza, a mãe terra, é da onde a gente se alimenta é da mãe terra, eu sinto tanto ela que na hora da gente fazer o ritual a gente tira os chinelo do pé que é pra sentir ela mesmo. Tem dia que como a gente tá aqui eu tô com o pé no chão mesmo, buscamos as forças das mata, então eu digo: o índio quando ele morre o lugar dele é as mata. Eu quando tô sem fazer nada aqui em casa, eu guardo um facãozinho e vou andar nas matas, tudo que agente faz é diferente do branco e nem ele vai permanece o quanto a gente permanece, nessas origem da gente, nessa religião da gente” (Morador de São Francisco).