11 de junho 2014

Indígenas e Gestores Públicos debatem “Poder e Sustentabilidade dos Povos e Territórios Indígenas” no 3º Módulo da Formação em PNGATI do Bioma Mata Atlântica Sul e Sudeste

Cursistas reunidos no 3º Módulo. Foto: Henyo Barretto/Projeto GATI

Entre os dias 02 e 06 de junho, na Academia Nacional de Biodiversidade (Acadebio), situada na Floresta Nacional de Ipanema, em Iperó/SP, aconteceu o 3º módulo do Curso Básico de Formação em Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), do Bioma Mata Atlântica Sul-Sudeste, tendo como tema “Poder e Sustentabilidade dos Povos e Territórios Indígenas”. A formação é uma iniciativa conjunta do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Fundação Nacional do Índio (Funai). Conta também com o apoio da Arpin-Sul (Articulação dos Povos Indígenas do Sul), Arpin-Sudeste (Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste), Projeto GATI (Gestão Ambiental e Territorial Indígena – Funai/PNUD/GEF), Cooperação Alemã para o Desenvolvimento(GIZ), e da Acadebio.

Participaram 20 cursistas, sendo 13 indígenas dos povos Guarani, Kaingang, Xokleng Laklãnõ e Terena, e sete gestores públicos vinculados à Funai (CRs Litoral Sul, Litoral Sudeste, Interior Sul e Passo Fundo) e ao ICMBio da CR 8 - Rio de Janeiro. O módulo trabalhou a compreensão do contexto histórico e político em que a PNGATI foi elaborada e como será implementada, a partir de uma reflexão crítica sobre os modelos de desenvolvimento dominantes e alguns aspectos da história recente da política indigenista brasileira. Tratou também de conflitos socioambientais envolvendo os povos e terras indígenas da região, especialmente as questões de sobreposições com Unidades de Conservação (UCs) e os impactos de grandes obras e empreendimentos.

Visões de desenvolvimento e bem estar e direitos humanos dos povos indígenas

As atividades foram iniciadas no dia 02/06, com uma roda de conversa com o ancião Nelson Xangrê Kaingang da Terra Indígena (TI) Nonoai (RS), e com a professora Giselda 'Jerá' Pires de Lima, Guarani Mbyá do Tekoha Tenondé Porã, aldeia situada na cidade de São Paulo, e membro da Comissão Guarani Yvy Rupa. Após a exibição do vídeo institucional do 8º balanço do PAC 2, os cursistas debateram as visões indígenas sobre desenvolvimento, bem estar, vida plena e os dilemas vividos pelos povos diante da expansão do mundo dos 'djuruá' (branco, em Guarani).

Roda de conversa com Nelson Xangrê Kaingang e com Giselda 'Jerá' Pires de Lima Guarani Mbyá. Foto: ©Henyo Barretto/Projeto GATI

Já na terça-feira, dia 03/06, houve trabalhos em grupos para discutir e analisar o vídeo À sombra de um delírio verde (assista o vídeo AQUI)  e trechos do texto “A Primeira Sociedade da Afluência” de Marshall Sahlins (leia o texto AQUI). Os cursistas puderam refletir sobre as noções de suficiência - como um valor ainda presente em muitas economias indígenas - e de etnodesenvolvmento – como horizonte de superação da concepção hegemônica (que confunde desenvolvimento com crescimento) e de crítica aos indicadores convencionais de desenvolvimento: PIB (Produto Interno Bruto) e IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).

Também foi abordado a história recente de atuação do Estado brasileiro face aos povos indígenas, por meio das apresentações do antropólogo Diogo Oliveira, da Coordenação Geral de Identificação (CGID/Funai), e de Marcelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais SP, membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, coordenador do projeto Armazém Memória e colaborador da Comissão Nacional da Verdade. Zelic apresentou a ferramenta do Centro de Referência Virtual Indígena (veja AQUI) e explorou o Relatório Figueiredo, ressaltando a importância da memória e do trabalho com arquivos de documentos oficiais para a justiça de transição* e a reparação das violações aos direitos humanos dos povos indígenas, durante parte do período republicano. Reparação esta que se dá, fundamentalmente, por meio da demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas. Já o antropólogo Diogo Oliveira falou sobre a construção do Estado brasileiro na fronteira oeste do Paraná e sua relação com os índios Avá-Guarani, desde a guerra do Paraguai até o presente, em que esse povo vive as consequências dos até hoje não reconhecidos impactos socioambientais da UHE de Itaipu.

Mudanças históricas do território e luta do atual movimento indígena brasileiro

Na quarta-feira, dia 04/06, a aula abordou a história de luta e de resistência do moderno movimento indígena no Brasil e nas regiões Sul e Sudeste. Pela manhã, todos participaram de uma caminhada matinal à Cruz do Varnhagen, passando pela Cruz Santa e pela segunda cruz de ferro fundida no Brasil, na qual o Alexandre Cordeiro, chefe da Flona de Ipanema (ICMBio), trouxe um panorama da longa história de ocupação colonial da região. De acordo com Cordeiro, essa ocupação se deu sobre um território original Tupiniquim, e, do alto do morro, desvelou a sua atual configuração socioespacial, com ferrovias, rodovias estaduais e federais, indústrias, uma grande cidade (Sorocaba), um assentamento do MST e o Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo.

Caminhada pela Flona de Ipanema. Foto: ©Henyo Barretto/Projeto GATI

Na parte da tarde, Sonia Bone Guajajara (Apib-Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e Romacil Gentil Cretã Kaingang (Arpin-Sul), por meio de seus depoimentos pessoais, expuseram a história do moderno movimento indígena no Brasil, nas regiões Sul e Sudeste, e o contexto político anti-indígena atual, com suas inúmeras ameaças aos direitos indígenas. Sonia e Cretã destacaram o que identificam como os três momentos do moderno movimento indígena: o da luta por garantir os direitos na Constituição Federal, o da batalha por implementar tais direitos e o atual, no qual se luta para não perder esses direitos. Ao final, os cursistas assistiram e debateram o filme “Índio Cidadão?”, de Rodrigo Siqueira.

Discutindo sobreposições de TIs e UCs

No penúltimo dia, 05/09, os trabalhos foram iniciados pela manhã, com um exercício de mapeamento dos conflitos socioambientais em mapas que já traziam plotadas as TIs e UCs por estado, nos quais os participantes localizaram e identificaram os diferentes empreendimentos que impactam os seus modos de vida e territórios. Em seguida, foi discutido a questão das sobreposições entre TIs e UCs (Unidades de Conservação), com a contribuição de Daniel Castro, coordenador geral de Gestão Sociambiental da Diretoria de Ações Socioambientais e Consolidação Territorial em UCs/ICMBio, e Giovana Tempesta, coordenadora geral da CGID/Funai (Coordenação Geral de Identificação e Delimitação de TIs), ambos membros do Grupo de Trabalho Interinstitucional (GTI). Criado pela Portaria Conjunta Funai-ICMBio nº 1, de 29.05.2013, o GTI tem como objetivo identificar e analisar situações de interface entre TIs e UCs, caracterizando as situações de conflito e as situações não conflituosas. O painel foi moderado por Iara Vasco, servidora do ICMBio.

Grupos identificando empreendimentos e obras que impactam os seus territórios. Foto: © Henyo Barretto/Projeto GATI

Na parte da tarde, alguns cursistas apresentaram os painéis que elaboraram como resultado de suas atividades entre os módulos. Foram enfatizados os painéis que mostravam situações de impactos e conflitos resultantes de grandes empreendimentos em algumas situações específicas. Em seguida, a coordenadora geral da CGLIC/Funai (Coordenação Geral de Licenciamento), Janete Carvalho, expôs o modo como a Fundação atua como interveniente nos procedimentos de licenciamento ambiental de grandes obras, os gargalos e as dificuldades enfrentados pela instituição e as potenciais relações do licenciamento com a PNGATI. A Procuradora Analúcia de Andrade Hartmann do Ministério Público Federal (MPF-SC) concluiu os trabalhos da quinta dando um panorama histórico e atual da atuação do MPF na defesa dos direitos indígenas em procedimentos de licenciamento, referindo-se aos casos que acompanha atualmente. À noite, houve uma confraternização, na qual foi comemorado o Dia Mundial do Meio Ambiente e os dois anos de decretação da PNGATI.

O encerramento do módulo

O último dia, sexta-feira dia 06/06, foi dedicado a debater a atual situação de reconhecimento dos direitos territoriais indígenas nas regiões Sul e Sudeste. Giovana Tempesta (CGID/Funai) fez uma exposição onde ficou evidente as dificuldades enfrentadas e a necessidade grandes avanços. Os cursistas também debateram o Eixo 1 da PNGATI, com ênfase nas ações de monitoramento territorial (vigilância e fiscalização) de TIs. Tatiana Vilaça, coordenadora na Coordenação Geral de Monitoramento Territorial (CGMT/Funai) colaborou e conduziu a discussão.

O módulo foi concluído com discussão de ideias para os trabalhos de conclusão de curso dos cursistas; avaliação do módulo e planejamento para o próximo (quarto), cujo enfoque será “instrumentos de gestão”.

 

*Justiça de Transição: Conjunto de abordagens, mecanismos (judiciais e não judiciais) e estratégias para enfrentar o legado de violência em massa do passado, para atribuir responsabilidades, para exigir a efetividade do direito à memória e à verdade, para fortalecer as instituições com valores democráticos e garantir a não repetição das atrocidades (ver mais).

Saiba mais

O que é o curso Básico de Formação em PNGATI?

É um componente do Programa de Formação Continuada em PNGATI, que visa qualificar gestores indígenas e gestores públicos da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Ministério do Meio Ambiente (MMA), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e órgãos afins, para atuarem diretamente nos processos de implementação da PNGATI. Este objetivo está traduzido na Meta do PPA 2012-2015, compartilhada por Funai e MMA, de formar 300 gestores indígenas e 300 gestores não indígenas responsáveis por contribuir com a qualificação de ações de gestão territorial e ambiental de Terras Indígenas.

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